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A vida e o legado de Ibrahim Faiad

A vida e o legado de Ibrahim Faiad

A vida tem um jeito peculiar de ensinar, dar lições e mostrar o que realmente importa. Saber entender e interpretar os sinais é um diferencial precioso para, a cada passo em direção à finitude, poder dizer que a jornada valeu a pena, e que tudo o que foi sonhado e planejado foi satisfatoriamente alcançado. Quantos têm a chance de se autodeclarar como total e definitivamente realizados, principalmente em um mundo moral e eticamente tão decante e insensível?

O desafio de entender esse estágio de paz e realização é tão grande que é fácil perder o eixo em uma análise minimamente sensata e assertiva. Alguns diriam que um ambiente de abundância material, de pais letrados e de boas escolas poderia ser o caminho ideal para delinear esse perfil vencedor. Mas raramente, e a história mostra isso, o sucesso verdadeiro está conectado a facilidades.

Ibrahim Faiad, que já enxerga a sua 88ª primavera no horizonte, é dono de uma trajetória que dá pistas úteis e valorosas para a pura compreensão do que viver e inspirar significam.


INFÂNCIA PERDIDA

Filho de um pequeno comerciante e de uma dona de casa, Ibrahim nasceu em Wenceslau Braz, no Norte Pioneiro do Paraná, em 1938. Eram oito irmãos e todos precisaram se acostumar cedo com as companhias comuns a uma situação de poucos recursos. Todos pularam a infância para conseguir uns trocados que eram administrados com zelo e prudência pela mãe. A rotina era intensa nos dias do menino de apenas sete anos. Ibrahim deixava a cama antes de o galo cantar. Pegava com o vizinho quatro litros de leite recém tirado na ordenha e fazia, a pé, as entregas antes de seguir para a escola.


BANCÁRIO AOS 13

Depois da aula, a tarefa poderia ser engraxar, ajudar a mãe em algum afazer doméstico ou aprender com o pai a arte de vender e fazer amigos. Aos nove anos, Ibrahim virou ajudante de padaria e aos 13 conseguiu abrir a porta para a oportunidade que mudaria a sua vida para sempre. “Comecei no Bamerindus, que dava os seus primeiros passos, como auxiliar de contínuo. Eu varria, limpava placas, buscava refrigerante para os colegas mais velhos. Até que fui promovido”, conta aquele que o destino moldou para ser um dos homens de confiança de Avelino Antônio Vieira, fundador de um dos três mais poderosos bancos brasileiros.


EPOPEIA

A história de Ibrahim pode ser definida como uma epopeia, a sucessão de eventos extraordinários e ações gloriosas. Os 33 anos de Bamerindus permitiram que vivesse experiências das quais jamais sonhou, mas que o habilitaram para saltos ainda mais surpreendentes. Aos 16 anos, era o contador da agência de Guaratuba e em 1956 foi designado para a unidade da distante Foz do Iguaçu. “Era tão longe da capital e os desafios para chegar eram tantos que o acesso terrestre era praticamente impossível. O jeito era se aventurar nos voos da Real Aerovias”.


BANQUEIRO BONZINHO

Ibrahim lembra que uma viagem de Foz do Iguaçu a Curitiba, dependendo da época do ano, poderia demorar dias. No percurso de cerca de 650 quilômetros, os passageiros precisavam trocar de ônibus cinco vezes. Um ano mais tarde, o contador seria transferido para Cascavel, onde chegou a gerente. “Guardo comigo lições valiosas aprendidas com o Avelino. Era um homem bom, doce, conselheiro. Foi um segundo pai que tive e com quem aprendi muito”. Ibrahim acompanhou a ascensão do Bamerindus, que chegou a somar no auge 1.430 agências, e também a sua derrocada.


O INÍCIO DO FIM

O banco tinha seis sucessores e quatro morreram em um acidente aéreo. O então presidente, o vice e três filhos deste faleceram. O comando da instituição foi parar então nas mãos de José Eduardo de Andrade Vieira, que publicamente manifestava desinteresse pelos negócios da família. José Eduardo entrou para a política, virou senador e, muito amigo do então presidente Fernando Henrique Cardoso, acabou ministro de Indústria e Comércio e de Agricultura.


ZÉ DO CHAPÉU

Quem convivia como José Eduardo, “vendido” pelo marketing político como “Zé do Chapéu”, sabia que o herdeiro do Avelino chegou a sonhar, inclusive em voz alta, com as chances de vir a ocupar a cadeira da presidência da República. Diante de inúmeras dificuldades e enfraquecido pela ausência de pessoas de valor e estratégicas na corporação, o Bamerindus acabou incorporado pelo HSBC. Dez anos depois, o que sobrou do banco de origem paranaense foi vendido por R$ 17 bilhões para o Bradesco.


COOPAVEL

Ibrahim permaneceu por 33 anos no banco e, já de olho na aposentadoria, comprou uma área de terra na região de Céu Azul. Com sua carreira profissional resolvida, entendia que poderia se dedicar integralmente à agropecuária. Cooperado desde 1971 à Coopavel, ele via com preocupação notícias crescentes que davam conta do mau estado financeiro da cooperativa.


TRIO PARADA DURA

Na metade da década de 1980, o exbancário diz que foi intimado a dar sua contribuição para tirar a Coopavel de seu momento mais grave. Por diversos motivos, a cooperativa chegou muito perto da falência. Após inúmeras tentativas frustradas, surgiu a ideia de nomear um trio que poderia dar fim ao sofrimento de cooperados e colaboradores. A convite de Salazar Barreiros e Dilvo Grolli, “Comecei no banco que dava os seus primeiros passos aos 13 anos de idade, como auxiliar de contínuo. Eu varria, limpava placas, buscava refrigerante para os colegas mais velhos” Ibrahim decidiu ser vice e então presidente. “Foram 12 anos bastante ativos, indispensáveis para recuperar a credibilidade das pessoas, a confiança nos projetos e para restabelecer uma nova rota de crescimento”.


CHEGADA DO SHOW

Na gestão de Ibrahim foi realizada a primeira edição do dia de campo que se transformaria no Show Rural, atualmente um dos três maiores eventos técnicos do agronegócio mundial. “Lembro até hoje das palavras que disse aos cooperados que acompanharam o início desse projeto: - Vocês marcam o começo de uma caminhada alicerçada na união, no compartilhamento de informações e na inovação, decisiva para o sucesso desse negócio”. E essa é uma das características centrais do cooperativismo, que Ibrahim define como obra de Deus. “Esse é um movimento no qual todos têm voz e vez. A cooperação é agente de transformação e são imensos os benefícios de participar”.


O CONVITE DE LERNER

Novamente em casa e com a sensação de dever cumprido, Ibrahim foi convidado para ser o chefe da Casa Civil do governo de Jaime Lerner. Ele acabou recebendo por missão, também, criar a Agência de Fomento do Paraná, que virou suporte aos mais diferentes projetos de empreendedorismo em todo o Estado. Com a posse de Francisco Turra no ministério da Agricultura, veio o convite para que assumisse como diretor de nacional de Política Agrícola, o número 2 da pasta. Mesmo uma pessoa do bem e de conhecimento apurado sobre os temas do campo, Turra acabou substituído por Pratini de Moraes.


O MILAGRE DE PRATINI

Amigo íntimo do presidente Médici e de intelecto privilegiado, Pratini não conhecia a realidade do agro e foi orientado a ter Ibrahim, que já tinha limpado as gavetas para voltar ao Paraná, como conselheiro. Pratini pediu e recebeu três sugestões para levar a um encontro com o então ministro da Fazenda, Pedro Malan. “Disse a ele que, caso conseguisse efetivar apenas um daqueles pedidos, entraria para a história por revolucionar a agricultura brasileira”.


SEGURO AGRÍCOLA

E o resultado foi mais surpreendente do que se imaginava. A correção monetária, que inibia o crescimento do agro e dos mais diferentes projetos empresariais no Brasil, foi substituída por empréstimos com juros fixos e uma soma de R$ 2 bilhões foi liberada para que os agricultores pudessem modernizar suas máquinas e produzir com mais eficiência. A terceira indicação de Ibrahim, de criação do seguro agrícola, que se limitou a um estudo técnico na ocasião, seria contemplada muitos anos mais tarde.


DO MILAGRE AO CÉU

“Acabar com a correção monetária foi um milagre. O Brasil, em três décadas, saiu de 48 milhões para mais de 340 milhões de toneladas de grãos por ano. Isso mudou tudo e viramos o maior celeiro exportador de alimentos do planeta”, conta Ibrahim, que então, de forma definitiva, voltou à sua vida pacata no interior de Céu Azul, onde atualmente, sob sua influência, vê prosperar um dos mais importantes empreendimentos da pecuária leiteira do Sul do Brasil.


LEGADO

A personalidade agradável e as escolhas que fez dizem muito sobre quem é Ibrahim Faiad. A humildade, a honestidade e o respeito estão entre as virtudes que mais cultiva e admira. Muito do que aprendeu ele atribui a um dos irmãos que, dois anos mais velho, morreu prematuramente em um acidente automobilístico. Casado com Sueli, criou seis filhos adotivos e mimou dez netos que lhe encheram o coração de amor e alegria. 


VALOR DA SIMPLICIDADE

O homem que se apresentava como feliz e realizado, conheceu as entranhas do poder com suas fortalezas e fragilidades, deixa um conselho na ponta da língua: “Tenha Deus no coração. Coloque sua família como prioridade e conserve sempre os bons amigos”. Acumulando saberes que somente o tempo e a vida ensinam, Ibrahim acreditava que uma existência simples, de harmonia, trabalho e realizações é o que de fato tem valor, e é o que deixa como legado a todos com quem teve o privilégio de conviver.