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Nina, a gatinha indomável 

Felino é removido para “sítio de segurança máxima” em Catantuvas após ameaça de “perda total” em bólidos inclinados para a direita

Nina e suas irmãs nasceram sem teto. A ninhada foi abandonada na rua Paraguai, bairro Alto Alegre, porção Oeste de Cascavel, onde há uma casa de apoio gerida por freis franciscanos. A médica veterinária Samira Hassanieh Bomm encaminhou as gatinhas para adoção, não sem antes vaciná-las e castrá-las.

Nina se distinguia da ninhada por dois detalhes: uma manchinha clara na pelagem sobre a coluna vertebral, rompendo um padrão rajado de cinza e branco uniforme; e por ser a mais frágil naquele momento de socorro. “Ela estava muito sofrida, nem ficava mais em pé”, relata Samira.

Uma senhora do Parque Verde adotou Nina. A passagem por ali foi abreviada. A tutora, que mora sozinha, ficou semanas acamada, abatida pelo Aedes. Foi quando Nina mudou-se novamente, para um condomínio de classe média no mesmo bairro. Era para ser uma passagem de transição. Nina, carinhosa e brincalhona, conquistou corações de gente grande e das crianças no novo lar. 

Mas havia um “problema” no temperamento da gatinha rajada: “passeadeira” demais, felino indomável, amante da liberdade. Não havia porteira que a detivesse. Escapava pela sacada no andar superior, escalava árvores e muros. Lapsos de segundos de portas ou janelas entreabertas, e adeus Nina. Como brincava de gato e rato com baratas, parece ter ganho uma habilidade típica desses insetos: a de passar por baixo da porta.

OS ANTIPETS

Após fugas cinematográficas, como da vez em que foi localizada via Facebook a milhares de metros da base, Nina se tornou um incômodo para vizinhos antipets. E afrontou as duras regras do condomínio. Foi flagrada “adubando” a areia do playground e cometendo “crimes” ainda mais graves, como deixar a marca da patinha em pisos de garagens e latarias de veículos.

Não tardou para Nina se tornar a principal estrela do grupo de zap do condomínio. De um lado a galera pró-flexibilização da legislação talibânica. De outro lado ferozes algozes da Nina e de qualquer outro bicho que ousasse colocar suas patas nos vistosos bólidos típicos de classe mediana - aqueles veículos inclinados para o lado direito em razão do peso do carnê da financeira acomodado no porta-luvas.

SUJO E O MAL LAVADO

“Estou colocando câmeras. Se flagrar esse bicho aqui, vou fazer o dono pagar a lavagem e o polimento”, disse uma ativista anti-gato no grupo de zap. No mesmo post, ela provou o crime: um pata felina maculando a viatura. Não notou, no entanto, a espessa sujeira na lataria e vidros do carro. Na verdade, o gato deveria ser indenizado com uma ducha no pet shop, já que o veículo sujou sua patinha.

Pouco afeito a controvérsia, o tutor da Nina se ofereceu para pagar eventuais despesas com chapeação causado por patinha de gato em lataria e chegou a sugerir que acionassem o seguro automotivo, vai que rende uma indenização por perda total e a vítima da Nina possa reduzir a pressão do carnê sobre o amortecedor dianteiro direito.

200 HADDADS

Quando já era possível produzir um book com as fotos da gatinha indomável postadas no beligerante grupo de zap, a sub-síndica se viu obrigada a cumprir o regimento e lavrar a multa: 200 haddads a menos na conta do tutor, com severas possibilidades de reincidência, já que o esquadrão de “polícia pet” estava atento, sempre com os celulares à mão para registrar novos flagrantes.

Não havia outra solução que não remover a “meliante” para um “sítio de segurança máxima” em Catanduvas. A professora Carmen Lúcia e seu marido Abel gentilmente aceitaram abrigar Nina em um belo vale verde cercado de morros em Ibiracema, distrito da cidade vizinha.

Ali a libertária felina poderá escalar árvores, dar corridões em quero-queros, eventualmente almoçar algum passarinho – contra a vontade do almoçado – ronronar no colo da prôfe e até eventualmente escalar no capô do Corsa do casal sem o risco de ser fotografada e exposta no mau humorado grupo de zap dos medianos. Seja feliz no sítio, Nina. E não tome o conjunto de sapiens por uma meia dúzia de apequenados.

PITACO DO PITOCO

A dúvida é: a lataria do carro se tornou a pele do dono? Se riscar lá, sangra o proprietário? Ou o inverso, a pele do sujeito virou a lataria do seu veículo, fria, insensível, metálica, desumanizada? Talvez sem resposta para essas inquietações, o escritor e poeta português Alexandre Herculano cravou a frase icônica: “Quanto mais conheço os homens, mais estimo os animais”.

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