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As peripécias do vice

Henrique Mecabô é um projeto em miniatura de Nikolas Ferreira? Popularidade do vice no Show e do deputado mineiro no caso do Pix aprofunda o abismo entre políticos digitais e analógicos

As peripécias do vice

Nikolas Ferreira é um deputado federal bolsonarista raiz. Dia desses, em um vídeo postado no Instagram, ele surge bocejante, sonolento, indisposto. De repente desperta forte:

- Preciso trabalhar para pagar as contas da Janja e do Lula! 

É a típica tirada que gera likes, engajamento, compartilhamentos, por espirituosa, dotada de timing e bem humorada. Evidente que pode surgir um daqueles sarcásticos comentaristas de post para escrever: 

- Se você tá preocupado porque precisa pagar as contas da Janja e do Lula, imagina eu que preciso pagar as contas da Janja, do Lula e as suas, deputado!

Não deixa de ter razão, a Câmara dos Deputados devora R$ 1,5 bilhão por ano para pagar super salários e mega-estruturas de toda sorte de privilégios dos parlamentares e suas infinitas equipes. E alguém precisa pagar essa conta.

Mas não é essa a questão. A geração Nikolas, mesmo que composta também de oportunistas e vendedores de fumaça como Pablo Marçal, sabe “mexer o doce”. Basta dizer que o vídeo do jovem deputado sobre a trapalhada do Pix gerou mais de 300 milhões de visualizações, e certamente contribuiu na recente piora dos índices de aprovação do inquilino do Planalto.

NIKOLAS COVER?

Henrique Mecabô, o vice de Renato Silva, é um projeto de Nikolas em miniatura? Não. Mecabô segue roteiro próprio, embora guarde muitas semelhanças com o deputado mineiro, começando pela faixa etária: 11 dias separam os nascimentos de Nikolas e Mecabô. Ambos vieram ao mundo em maio de 1996.

Para além de provar que é possível trafegar de sapatênis e meias ornadas de bichinhos no ambiente de roça, Mecabô navegou pelo Show Rural com objetivo claro, interagir nas telas com um de seus redutos eleitorais: o agro. Alguns ainda não perceberam, mas o agricultor, mesmo aquele de cabelos prateados, alimenta perfis em redes sociais.

Então o vice foi pra cima, no sentido literal. Subiu em máquinas gigantes, saiu de dentro de um pneu enorme, apareceu repentinamente no meio de um milharal e surgiu “alimentando” uma “capivara humana”. Alimentando-se também, lógico, da polarização política em um público notadamente hostil à turma do boné vermelho.

Para além das acrobacias, o vice traz um roteiro bem escrito por ele próprio, com argumentos fundamentados na mão invisível do mercado. Mecabô é o roteirista e o editor de vídeo. Aqui surge um abismo intransponível a separar políticos digitais, como ele e Nikolas, dos tradicionais políticos analógicos.

PITACO DO PITOCO

  • Não é possível imaginar a geração do prefeito Renato Silva ou de seu 1º ministro Folador, fazendo acrobacias no Show Rural para logo depois sentar-se ao chão editando vídeo no celular para colher instantaneamente milhares de likes e quase 50 mil visualizações - como foi o caso de alguns posts do Mecabô na feira.
  • Trata-se de espécies diferentes de sapiens. Para o bem ou para o mal, é essa nova geração que vai comandar o planeta doravante. No contraponto a isso, alguém pode dizer: um velho analógico acaba de ser eleito presidente dos EUA. Sim, mas nem todos os “velhos analógicos” dispõem de um Elon Musk para cuidar das “patranhas” digitais.