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Saúde Página 13

Elementar, meu caro Hudson!

Vereador mostra por que soluções fáceis para problemas complexos só funcionam em Hollywood e nos contos de fada

Elementar, meu caro Hudson!

Bordões de Hollywood podem nos marcar de tal forma, que ecoarão em nossas memórias até o crepúsculo de nossa existência. “Elementar, meu caro Watson”, é uma delas. Era proferida sempre que o detetive Sherlock Homes resolvia um enigma ou mistério com a facilidade que somente os criativos diretores de cinema podem entregar.

Em recente sessão da Câmara Municipal de Cascavel, um discurso marcante do vereador Hudson Moreschi escancarou quanto frágeis podem ser as retóricas de tribuna que apontam soluções fáceis para problemas complexos, tal qual o detetive do enlatado americano.

O ambiente era hostil para o vereador colocar algum elemento de razão em um tema absolutamente passional: os crimes cometidos por moradores de rua em Cascavel e as soluções ventiladas para atacar o problema, como internamento involuntário e “arrocho” das forças de segurança.

Porém, na condição de quem conhece o problema tão de perto a ponto de sentir o bafo etílico na cara, Hudson, ex-secretário de Ação Social, deu uma aula de sociologia em pronunciamento para eternizar nos anais do Legislativo local.

“Já apanhei muito por dizer o que irei dizer agora. Atuei oito anos como secretário de Ação Social. Apanhei muito por defender pessoas em drástica situação de rua. Ano passado, a Ação Social atendeu 3,5 mil pessoas nessa condição, das quais 2 mil têm endereço e sobrenome cascavelenses. Encontrei na rua muita gente de família pobre, desestruturada, mas também filhos de professores, de engenheiros, de médicos, de políticos. A família deles não deu conta e a rua foi o caminho”, relatou o vereador.

PSIQUIATRA EM 2030

Após demonstrar que o problema não está localizado na origem geográfica ou social do indigente, Hudson apontou as fragilidades do poder público para enfrentar o problema. “Ninguém quer ter uma mãe, um pai, um filho ou neto mendigando na rua. No entanto, quando a família detecta o problema e procura uma consulta com um psiquiatra na UBS, só vai obter agenda para daqui quatro ou cinco anos por conta da ineficiência de atendimento à saúde mental no poder público”, enfatizou.

Por fim, o especialista disse que entende a reação de quem não quer ter nas proximidades de sua residência ou comércio um Centro Pop - estrutura para atendimento de moradores de rua e outros humanos problematizados - mas que é preciso encontrar um espaço para esse serviço. “O ideal é que não fosse preciso existir uma casa de acolhimento, mas essa perspectiva não passa de um conto de fadas, já que nesse momento temos mais de 600 pessoas em situação de rua em Cascavel”, disse o vereador de direita, conservador e evangélico.

PITACO DO PITOCO

  • Em nenhum momento o vereador diminuiu a importância da presença firme das forças de segurança no combate à criminalidade promovida por moradores de rua ou por gente do “andar de cima”, posicionada no ponto alto da marquise.
  • Quando afirmou que ao abordar o sujeito maltrapilho agarrado a um corote apenas constatamos que chegamos tarde, Hudson remete o caso para um olhar mais abrangente.
  • O uso e abuso de drogas lícitas como o álcool em todos os segmentos sociais, do corote ao whisky escocês, naturaliza algumas escolhas.
  • Por alguma razão, os danos causados pela bebedeira - que vão do “olho roxo” da madame no condomínio de luxo ao homicídio bárbaro da rua Manaus - nunca foram alvo de uma ação coordenada como aquela campanha vitoriosa comandada pelo então ministro da Saúde, José Serra contra o tabagismo.
  • Nos primeiros anos do presente século, 19.5% dos homens fumavam e 12.4% das mulheres. Em uma década, esses índices caíram para 10%. Até hoje a campanha antitabagista pode ser vista em fotografias tétricas na carteira de cigarro.
  • Por que o rótulo da cachaça não pode abrigar figuras semelhantes, um fígado destruído pela cirrose, por exemplo?
  • Quando revistamos um indigente no Calçadão de Cascavel é porque chegamos tarde. Estamos atuando só nas consequências, desprezando as causas.
  • Nossa indigência cultural e política só nos permite enxugar o gelo, que a propósito é dispensável, já que o corote sabor tutti frutti, 500 ml, anunciado por R$ 5,10, é consumido em temperatura ambiente.
  • Elementar, meu caro Hudson! 

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