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A kombosa de mendigos

Dilema de como lidar com indigentes já era perceptível na Cascavel de 40 anos atrás; do corote ao whisky, a origem do problema produz um rasgo transversal em uma sociedade adoecida. Yuval Harari: está surgindo uma nova classe, a dos inúteis, quantos de nós já fazemos parte dela?

A kombosa de mendigos

A tos de nós já fazemos parte dela? nos 1980, rodovia BR 277, uma kombi descaracterizada se desloca em direção a Foz do Iguaçu. Já na fronteira, o motorista, a serviço da Prefeitura de Cascavel, puxa o freio do mão e desce para abrir as portas do veículo. Ali desembarca uma dúzia de mendigos.

O “tráfico de indigentes” foi alvo de reportagem na mais arguta publicação regional daquele período histórico, a revista “Oeste”, assinada pelo jornalista Heinz Schmidt. O veterano se recorda bem do “climão” que o “trans-mendigo” gerou entre os prefeitos de Cascavel e Foz do Iguaçu, assim que o “conteúdo” da kombosa foi descoberto.

Ao despachar pobres daqui para a fronteira, Cascavel estava apenas repassando indigentes que recebia de toda a região. O flagrante gerou a segunda grande “crise diplomática” entre os dois maiores municípios do Oeste. A primeira aconteceu na segunda metade da década de 1980, quando Cascavel “deletou” o nome Foz do Iguaçu das placas da avenida que passou a se denominar Tancredo Neves.

MATA-MENDIGOS

No um momento em que a cidade debate o que fazer com seus indigentes, agora potencialmente mais agressivos com a disseminação de drogas como o crack, vale lembrar que não se trata de um problema novo.

No início dos anos 1960, no Rio de Janeiro, o jornal “Última Hora” denunciou a “Operação Mata-Mendigos”, uma ação de forças de segurança que exterminava indigentes lançandos-os com pedras presas ao pescoço nos rios Guandu e Guarda. A “limpeza” da área estava a cargo do Serviço de Repressão à Mendicância, órgão público encarregado de esconder a pobreza como quem varre a “sujeira” para baixo do tapete.

REFUGOS HUMANOS

Em artigo publicado no “The Guardian”, intitulado “O Significado da Vida em um Mundo sem Trabalho”, o escritor Yuval Harari descreve uma nova classe de pessoas que deve surgir até 2050: a dos inúteis. “São pessoas que não serão apenas desempregadas, mas que não serão empregáveis”, diz o historiador.

O intelectual israelense não está falando apenas dos “refugos humanos”, zumbis do crack, refugiados de guerra, imigrantes deportados do pesadelo americano, o conceito é mais amplo e pode incluir loiros de olhos azuis: refere-se a eliminação de ofícios humanos pela inteligência artificial.


PITACO DO PITOCO

  • O Decreto-Lei nº 3.688, de 1941, definia como vadiagem entregar-se à ociosidade sem ter renda. A lei foi revogada em 2009 pelo Congresso Nacional.
  • Se estivesse em vigor, poderia ser entendida de forma bem mais abrangente hoje, com implicações para além da patuléia despossuída. Exemplo: o jovem bem nascido que se tranca num quarto e passa o dia e a noite jogando videogame também é um “vadio”?
  • Passar horas no celular fomentando intrigas e “catequizando” incautos via cartilhas ideológicas nas redes caracteriza vadiagem? E a madame frívola que passa o dia em futilidades no Insta, é vadia? Ou só é vadiagem deitar-se sob uma marquise agarrado num corote?
  • O abuso de bebidas alcoólicas, a “droga legal”, acomete todos os extratos sociais, do corote do indigente ao whisky escocês no condomínio de luxo.
  • É preciso sim combater com rigor os crimes cometidos por moradores de rua, mas também é preciso entender que esse é um problema sistêmico, compartilhado por todos os que convivem em uma sociedade adoecida, e não apenas por aqueles que o farsante Collor de Melo definiu como “descamisados e pés descalços”.

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