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O trio Luiz a asa branca

Em meio à repercussão do assassinato de Luisinho na rua Manaus, medos recíprocos assombram a cidade

O trio Luiz a asa branca

Luiz Gutemberg viu a terra ardendo, “qual fogueira de São João”. Não só quando deixou sua terra natal, no Rio Grande do Norte, na primavera do ano passado. Mas também aqui, no “Sul Maravilha”, quando percebeu o torniquete social e o aparato policial apertar a partir daquela ocorrência trágica na rua Manaus, ocasião em que um morador de rua tirou a vida de um outro Luis, mais conhecido no diminutivo, Luisinho Lourenço.

Assustado, Gutemberg não se apresenta como morador de rua, dissimula sua condição. Condena com veemência o assassinato da Manaus. “A maioria dos pedintes não é assim. A gente pede, leva não, e sai andando”, disse ele na manhã da última segunda-feira - tentando equilibrar um filhote de pombo sobre o ombro direito. “Trabalho com carpintaria, armação de ferragem, muro de arrimo, sou armador”, disse.

A conversa de Gutemberg com o editor do Pitoco começou ali no largo canteiro da Avenida Brasil, entre as ruas Carlos de Carvalho e Sousa Naves. O homem mascava um coquinho laranja da palmeira jerivá e tratava o pombo com ração de cachorro. Enquanto umedecia o bico do bicho para hidratá-lo, contou que batizou a ave com o nome Chuchu e as circunstâncias da adoção.

“Eu estava na chuva ali perto daquela imagem da santa na Catedral, quando a pombinha saltou da árvore. Ela caiu na enxurrada. Corri e conseguiu resgatar antes que fosse para a boca de lobo, onde seria devorada por algum rato. Enxuguei a Chuchu na camiseta e fiquei com ela. No dia seguinte procurei o ninho de onde ela caiu para devolver à família, mas não encontrei. Então adotei. Sei que algum dia irá voar e ficarei sem Chuchu”.

Luiz Gutemberg conversa com a ave. Avisa que cães e gatos são inimigos dela. Fez orifícios na caixa de papelão em que transporta Chuchu: “É para ela ver a paisagem enquanto eu caminho. Ela gosta de andar de ônibus”, disse. O homem fala também do cardápio. “A Chuchu adora arroz com polenta, mas também come batata frita”.

Questionado sobre seu endereço, disse genericamente que mora “perto do Ceonc” com a esposa Elaine, 41 anos, e Gustavo, menino de um ano e 7 meses. Relatou ser filho de um sargento da PM, “homem que lia muito, e acabou encontrando esse nome Gutemberg para mim”.

Talvez a alcunha encontrada pelo sargento seja inspirada em Johannes Gensfleisch zur Laden zum Gutenberg, homem que viveu na Idade Média, foi inventor e gráfico do Sacro Império Romano-Germânico e desenvolveu um sistema mecânico que deu início à revolução da imprensa, o que é considerado o invento mais importante do segundo milênio.

Agora Gutemberg sente-se imprensado. “Estamos sobrevivendo pela graça de Deus e caridade de algumas pessoas. Estou com medo. As pessoas estão mais hostis, vi o protesto na feira domingo passado, estamos em risco”, disse.

Cascavel vive um momento de medos recíprocos. A cidade tem medo do morador de rua. O “mendigo” tem medo da cidade. Aqui chegamos ao terceiro Luiz dessa história, o Gonzaga, “rei do Baião”, outro retirante do Nordeste, que cantarolava o refrão de “Asa Branca”: - Eu perguntei a Deus do céu, uai, por que tamanha judiação…

Certo mesmo é que - tal qual asa branca, espécie de pombo do sertão - Chuchu em algum momento se encoraja em bater asas para longe do tutor que a salvou do afogamento na enxurrada. Certo também é que ninguém está a salvo na selva de pedra assombrada por medos recíprocos.


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