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Um advogado na “República de Cascavel”

Presidente da OAB/PR, Luiz Fernando Pereira, se aproxima degrau por degrau do protagonismo que o pai dele alcançou na condição de único governador cascavelense da história do Paraná

Um advogado na “República de Cascavel”

Adenominada originalmente aqui no Pitoco “República de Cascavel” tem deputado com poder de mando na mesa diretora da Assembleia Legislativa (Gugu Bueno), tem desembargadores no Judiciário (Sergio Kreuz e Rosaldo Pacagnan), engenheiro na poderosa Federação das Indústrias (Edson Vasconcelos) e, entre outros, tem um advogado: Luiz Fernando Pereira, eleito presidente da OAB/PR.

É com ele a conversa, da infância peralta nos anos 1980 em Cascavel à advogacia para clientes do topo do poder na República, como os presidentes Michel Temer e Luis Inácio Lula da Silva.

Pereirinha, como é mais conhecido, diminutivo do sobrenome herdado do pai, o ex-governador Mário Pereira, enfrentou pesada campanha para a OAB quando, entre outras imputações, foi “acusado” de simpatia com o flanco esquerdo da polarização ideológica.Pereirinha, como é mais conhecido, diminutivo do sobrenome herdado do pai, o ex-governador Mário Pereira, enfrentou pesada campanha para a OAB quando, entre outras imputações, foi “acusado” de simpatia com o flanco esquerdo da polarização ideológica.

É uma pergunta que não poderia faltar, bem como as controvérsias no entorno do STF e defesas tidas como impossíveis para alguns, caso do famoso homem da mala, tornado famoso pelo Jornal Nacional. Acompanhe:

 Pitoco - Que lembranças da infância em Cascavel frequentam sua memória?

Luiz Fernando Pereira - A minha infância é inteira em Cascavel, mudei daqui aos 12 anos de idade. Então toda memória da minha infância é a memória que eu tenho de Cascavel. Foi uma infância livre, analógica, que me leva a comparar com a infância das minhas filhas. Saíamos de casa com, sei lá, 6, 7, 8 anos de idade, minha mãe não tinha a menor ideia de onde eu podia estar, voltava à noite e ela não tinha nenhuma preocupação.

Você faz o tipo saudosista, nostálgico, na linha do “antigamente que era bom”?

    Não diria nostálgico, apenas uma constatação: Do que dá pra confessar daquela época, era eu andando de bicicleta, jogando bola, escalando árvore, era realmente uma infância que não existe mais. Eu tenho um filho de cinco anos e é incomparável. Primeiro que acabou a infância analógica, muita tela. A gente tenta coibir e aí quando percebe ele brincando como a gente brincava, vibramos pela exceção. A exceção dele era a minha regra.

Mário Pereira atuava quase full time na política, era um pai ausente?

    Isso não foi marcante. Eu tenho uma memória muito viva da minha infância com o meu pai e até citei no meu discurso de posse que eu o acompanhava muito. Me recordo que aos 10 anos acompanhei ele no plebiscito da emancipação política de Braganey. Muita memória da política dentro da minha casa, as visitas que o José Richa fazia a Cascavel. Ele pernoitava na nossa casa da rua Londrina. Eu acordava e estava lá o governador do Paraná tomando café da manhã. São coisas muito vivas da presença do meu pai.

Tem boleiro profissional em sua família. Como você se saiu no mundo da bola?

    Eu tenho dois primos boleiros, um que infelizmente faleceu, o Caio Júnior, meu primo- irmão, e o Preto Casagrande também, primo-irmão, dois grandes boleiros. O Caio, após encerrar a carreira de jogador, foi também um grande técnico de futebol. Se eu dominava a bola? O pai do Preto uma vez me viu jogando, chamou num canto e disse: “guri, vai estudar, isso não é pra você”.

Que estímulos você recebeu para optar pelo mundo das petições?

    Eu convivia com os advogados amigos do meu pai e admirava essas figuras. Cito o Aldo Parzianello, o Adelino Marcon, e essas pessoas me inspiraram a ser advogado, embora eu tenha seguido em relativa dúvida até perto do vestibular porque cogitava fazer jornalismo também. Optei pelo direito e acertei, tenho vocação para o direito. Digo sempre que vocação é um insumo essencial para advocacia. A vocação se mede quando sofremos com as derrotas dos clientes e vibramos com as vitórias.

Como foi navegar nas lides do direito eleitoral?

    Comecei a dar aula de direito eleitoral, foi amor à primeira vista. Fundei o Instituto Paranaense, começamos a fazer o congresso brasileiro aqui. Fui presidente da Academia Brasileira de Direito Eleitoral que reúne os especialistas, os acadêmicos da matéria no Brasil inteiro. O direito eleitoral carimba muito num bom sentido a advocacia, porque quando você susta um protesto, não sai na Folha de S. Paulo, mas se você advoga para o Lula, você está no Jornal Nacional.

O fato de ter advogado para o presidente lhe rendeu “cutucadas patrióticas” agora, quando disputou a presidencia da OAB/PR…

    Eu nunca recusei uma causa por conta das eventuais repercussões que isso poderia gerar. A do Lula é um exemplo disso. Como candidato a presidente da OAB, havia uma imputação que alguns sugeriam ser grave, pois eu seria um petista. Eu não teria nenhum problema de ser petista, ser filiado a partido político não é cláusula infamante, mas nunca fui filiado, fiz essa advocacia como fiz outras. Advogamos para PL aqui no Paraná. Tenho muito orgulho dos clientes que tive, inclusive do Lula e da minha atuação no caso do então presidente Michel Temer entre outros casos em que atuei.

Advogados criminalistas ou defensores de políticos controversos são seres mal compreendidos?

    Veja, é uma regra elementar. O advogado não pode ser confundido com o cliente. Todos têm que ter advogado, e o advogado não é o cliente. Portanto, essa confusão ofende uma prerrogativa elementar do advogado, que é atuar com independência e não ser confundido com o seu cliente. Senão, os advogados criminalistas estariam em maus lençóis. Isso também vale para o direito eleitoral, mas é mais difícil separar. As pessoas não acreditam que alguém possa advogar para determinado político sem ter afinidade ideológica. É como se o médico que opera um comunista virasse comunista ao final da operação.

A sustentação oral está em risco?

    É a grande ameaça contra a advocacia brasileira. O STF e o STJ estão fazendo um movimento para suprimir a sustentação oral. Você me contrata, e aí você quer que eu te defenda. O momento crucial é a parte oral da defesa. É a conversa com o juiz, e no tribunal é a sustentação oral. O Supremo é um especialista em preparar advogados para sustentação oral. Então, você prepara a advogada, ela vai lá, e com o seu preparo, aumenta a persuasão para defender o cliente.

E aí?

    E aí o tribunal diz assim: “Nós não vamos te ouvir”. Quando o tribunal diz assim, ele não deixa de ouvir o advogado, deixa de ouvir a dona Maria, o seu José, que tem causas lá que podem mudar a vida deles. E não é só isso. O advogado fala por um partido político, fala por uma raça, fala por um Estado, fala por uma minoria. Suprimir o direito à sustentação oral é retirar a cidadania da construção da decisão judicial. É uma tragédia. A gente vai lutar até a morte para impedir que isso aconteça no Paraná.

Como sobreviver à polarização política que parece contaminar também os tribunais?

    Eu creio que essa discussão do STF está contaminada, como quase tudo no Brasil, por essa polarização radical que retira o ingrediente racional do debate público. Significa dizer que tudo vai sendo carimbado e classificado, ou na caixa da esquerda, ou na caixa da direita. Então, se você criticar o Supremo hoje, você é colocado dentro da caixa da direita. Se você elogia o Supremo, você é colocado dentro da caixa da esquerda.

E não é assim?

    A diferença entre esquerda e direita não tem nada a ver com eventuais críticas que eu faça a ofensas ao devido processo legal nos inquéritos do Alexandre de Morais. Eu tenho críticas. Eu acho que o Alexandre não poderia ter a competência que tem, não poderia se arvorar competente para tratar de tantas coisas, inclusive os inquéritos que se tem como vítimas. Agora, ficar batendo no Supremo para ganhar popularidade, bater de forma indistinta para se colocar na caixinha majoritária, isso comigo ninguém vai contar. Eu tenho as minhas críticas a esses inquéritos, mas isso não significa dizer que a Suprema Corte deva ser espancada em praça pública atrás de likes.

A tese se aplica ao pessoal da baderna de 8 de janeiro?

    Não. Sobre os acusados de 8 de janeiro, ninguém está dizendo que eles não devem ser punidos. Quem fez quebra-quebra, baderna, tem que ser punido. O que os advogados estão argumentado é que não se aplica um determinado tipo penal e se aplica outro. Reduz a pena de dezoito anos para dois anos. Então, a defesa não é necessariamente pela inocência. É pela dosimetria, pela desclassificação de um determinado tipo penal para outro.

A “República de Cascavel” na capital nunca esteve tão representativa. Fiep, OAB, 1ª secretaria da Assembleia, e por aí vai. É um momento distinto para o Oeste?

    Falei com o Edson Vasconcelos, da Fiep. Temos um plano conjunto que será anunciado em breve. Tenho uma excelente relação com o deputado Gugu Bueno, para quem eu já advoguei. Nós vamos promover um almoço, reunir essa turma toda e bater um papo. Vamos falar de Cascavel e do que podemos fazer juntos. Eu tenho muito orgulho do que o meu pai fez no pequeno período em que foi governador, a Ferroeste, o HUOP, a Unioeste. São marcas que estão aqui até hoje. Se ao final dos três anos como presidente da Ordem eu conseguir deixar metade do rastro positivo que meu pai deixou por aí, já terá valido a pena.

É possível compatibilizar a presidência da OAB com o escritório?

    Primeiro, eu quero dizer que é a maior honra da minha vida ser presidente da Ordem. Mas preciso dizer que o presidente da OAB não tem salário. Tenho que continuar advogando, por dois motivos: primeiro, que eu vivo da advocacia; segundo, que eu não vivo sem a advocacia no sentido lúdico. E o mercado é cruel. Temos 90 mil advogados no Paraná. Se eu ficar três anos afastado, quando voltar os clientes não estarão lá me esperando. Então, eu quero anunciar que eu estarei, sim, no front da advocacia. Dá para conduzir as duas coisas simultaneamente, e é saudável que seja assim.